Centralismo, regionalização e desenvolvimento

No recente debate em torno da localização da final do Festival da Eurovisão da Canção e da relocalização da Agência Europeia do Medicamento (que terá que sair do Reino Unido por ocasião do Brexit) relançaram a polémica sobre o ordenamento do território português e o centralismo sôfrego de que enferma o nosso país.


O tema não é novo e, apesar das promessas de mudança de paradigma preencherem o cardápio de intenções de todos os partidos políticos com assento parlamentar, a verdade é que não surgiu qualquer alteração significativa neste domínio nos últimos anos. Pelo contrário, os laivos centralizadores têm-se acentuado ao longo da última década, alimentados, primeiro, pela narrativa da crise e, depois, pela retórica da competitividade à escala europeia.

Por mais diagnósticos que se façam ao modelo napoleónico de gestão centralizada do país e por mais estudos que se produzam a demonstrar os benefícios da criação de mais pólos urbanos com estrutura e dimensão para competir à escala europeia, os governos centrais insistem na discriminação positiva e permanente de Lisboa (e, em menor medida, do Porto), acentuando uma tendência que vem do Estado Novo e que se constitui como um obstáculo relevante ao desenvolvimento sustentado e integrado do país.

A divisão administrativa vigente é confusa, incongruente e, em muitas situações, profundamente ilógica, contribuindo para acentuar o domínio centralizado e centralizador de Portugal. Se olharmos para a região de Braga, a confusão é total. O território do distrito (descontada a ausência de Celorico de Basto e a inclusão de Mondim de Basto) encontra-se dividido em duas Comunidades Intermunicipais (CIM) que correspondem a NUT III: a CIM do Cávado que integra os concelhos de Amares, Braga, Barcelos, Esposende, Terras de Bouro e Vila Verde e a CIM do Ave que integra os concelhos de Cabeceiras de Basto, Fafe, Guimarães, Mondim de Basto, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão e Vizela.

Em teoria, os municípios de cada Comunidade Intermunicipal decidem conjuntamente sobre matérias relacionadas com promoção do planeamento e da gestão da estratégia de desenvolvimento  económico, social e ambiental bem como a articulação dos investimentos municipais de interesse intermunicipal. Apesar disso, a gestão dos serviços de saúde é efetuada de acordo com um plano de divisão do território que não respeita a divisão por comunidades intermunicipais e a gestão municipal da água e resíduos urbanos apresenta um plano geográfico distinto, só para citarmos alguns exemplos.

Todos reconhecerão a especial ligação que os habitantes da Póvoa de Lanhoso e de Vieira do Minho têm à cidade de Braga. Apesar disso, esses dois municípios integram a CIM do Ave e decidem o planeamento intermunicipal com Guimarães, Famalicão e Vizela. Contudo, os resíduos urbanos que produzem são geridos conjuntamente com Braga através da Braval e o sistema de referenciação médica é efetuado, muito logicamente, para o Hospital de Braga. Em Famalicão, a gestão intermunicipal é realizada com Guimarães, mas o Centro Hospitalar do Médio Ave divide recursos com o Hospital de Santo Tirso, no distrito do Porto. Assim, os doentes de um mesmo Centro Hospitalar têm o Hospital de Braga como referência se forem habitantes de Famalicão e o Hospital de São João se forem habitantes de Santo Tirso ou Trofa. Mais há mais: se forem habitantes de Famalicão têm o Hospital de Braga como referência para todas as especialidades médicas exceto para a Psiquiatria em que a referenciação se faz para a urgência do Hospital de São João e o internamento no Hospital Magalhães Lemos.

Confusos? O caso não é para menos. O acumular de decisões avulsas ao longo das últimas décadas criou um país com múltiplos sistemas de organização administrativa, o que dificulta o trabalho das estruturas locais bem como o planeamento estratégico dos investimentos. E, no meio de toda esta confusão, emerge e perpetua-se o poder centralizado de Lisboa.

Agora que o debate sobre o centralismo se reacendeu, valerá a pena voltarmos a colocar a reorganização administrativa (ou regionalização) do país na agenda. Com regiões coerentemente ordenadas e estruturas regionalmente sincronizadas entre si, o desenvolvimento sustentado e a coesão do país serão uma empreitada bem mais fácil de concretizar.



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